Sobre Maria Santíssima sabemos que não recebeu como São Pedro as Chaves de Cristo, não deteve o primado da Igreja; não foi chamada a escrever nenhum livro Sagrado, não anunciou o Evangelho às nações pagãs; não interpretou a Revelação Divina como os Padres Apostólicos, não detinha jurisdição sobre o povo de Deus reunido numa só fé, no entanto, d’Ela sabemos que antes da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica possuir uma dimensão Petrina (Pedro, os Apóstolos e seus sucessores) possuiu uma dimensão Mariana (cf. CIC, nº 199). A Santíssima Virgem, após a Revelação da Igreja em Pentecostes, se retira da vida pública e se entrega ao silêncio da espera, da contemplação, da oração pela Igreja, que assim como Cristo teve que crescer em ciência diante dos homens (cf. Lc 2,52); Ela se entrega ao amor já vivo n’Ela por Cristo e pelos apóstolos.
A Santíssima Senhora, que após sua entrada na Glória Celestial, seria coroada como Rainha dos Céus e da Terra; Ela, a excelsa e mais perfeita criatura do Pai, se submete ao silêncio pela divina providência; Ela, a obra do amor, toma sobre Si a intercessão pela Igreja, se retira para rezar por aqueles que Cristo deixou como testemunhas de Sua Obra: Igreja Santa; e por Ela entrega suas súplicas. A Igreja Nascente necessitava de um cautério suave para ter forças de enfrentar o mundo e tal suavidade encontrou razão de ser nas orações e súplicas da Virgem de Nazaré, disso nos dá testemunho o Doutor Místico da Igreja, São João da Cruz, sobre o estado de união que a Mãe do Filho de Deus alcançou por amor: "Não há obra melhor e mais necessária que o amor. Quando alguém alcança este estado de união em amor, não lhe convém ocupar-se em outras obras, nem de exercícios exteriores, que podem lhe tirar a sua atenção de Deus, porque é mais proveitoso estar diante de Deus " (Cântico Espiritual, XXIX, II).
A Rainha dos Apóstolos permite em seu silêncio que seus súditos preguem a missão que lhes foi confiada pelo Cordeiro de Deus: Ide! E reza silenciosa – Virgem do Silêncio – para que a Missão da Igreja chegasse aos povos: “Santa Maria, Regina Apostolorum, Rainha de todos os que suspiram por dar a conhecer o amor de Teu Filho: Tu, que entendes tão bem as nossas misérias, pede perdão por nossa vida; pelo que em nós podia ter sido fogo e foi um punhado de cinzas; pela luz que deixou de iluminar; pelo sal que se tornou insípido. Mãe de Deus, Onipotência Suplicante: traze-nos, junto com o perdão, a força para vivermos verdadeiramente de fé e de amor, para podermos levar aos outros a fé de Cristo” (São Josemaria Escrivá - É Cristo que passa, ponto 175).
Deus Todo-Poderoso, em absoluto, não precisava de ninguém pra Se fazer homem e sofrer por nós para nos resgatar. No entanto, não por necessidade, mas por disposição da misericordiosa vontade divina, quis Deus precisar de Maria para tomar nossa humana natureza e realizar a obra da Redenção. Diretamente da lavra de São Paulo (em Cl 1, 24) temos: "O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por Seu Corpo que é a Igreja”. Cristo cumpriu perfeitamente a Redenção, no entanto, São Paulo Apóstolo impõe pela inspiração do Espírito Santo que devemos completar em nossa carne a adesão à Redenção da Cruz. Nada faltou ao Cristo e tudo foi mais que suficiente por Ele na Cruz, mas São Paulo quer afirmar que o que falta na Cruz de Cristo e em Suas tribulações não é o próprio Cristo todo homem e todo Deus que se entregou na Cruz, mas aqueles que foram redimidos e não querem aderir à Cruz por um ato de vontade. Só com a adesão de nossa vontade nos serão aplicados os méritos infinitos, e tal adesão às Santíssimas Dores da Cruz foram consumadas em estado de perfeição por Maria Santíssima, Cooperadora da Redenção Divina (cf. Suma Teológica, III, q. 49, a. 3ad 2 e 3 - cf. Santo Afonso de Maria Ligório: Reflexões Sobre a Paixão, 10). O Silêncio de Maria é o silêncio orante e suplicante.
Nenhuma criatura participou com grandiosíssima adesão às Dores de Cristo quanto Maria, de tal profundeza Ela tomou sobre Si o Filho que a união entre a divindade de Cristo e a humanidade de Maria se tornou perfeitíssima e consumadíssima na anunciação do Anjo São Gabriel. “No Corpo de Cristo, que cresce sem cessar a partir da Cruz do Redentor, precisamente o sofrimento, impregnado do espírito de Cristo, é o mediador insubstituível e autor dos bens indispensáveis para a salvação do mundo. Mais do que qualquer outra coisa, o sofrimento é aquilo que abre caminho à graça que transforma as almas humanas. Mais do que qualquer outra coisa, é ele que torna presentes na história da humanidade as forças da Redenção. Naquela luta «cósmica» que se trava entre as forças espirituais do bem e as do mal, de que fala a Carta aos Efésios, os sofrimentos humanos, unidos ao sofrimento redentor de Cristo, constituem um apoio particular às forças do bem, abrindo caminho à vitória destas forças salvíficas” (Sua Santidade, o Papa João Paulo II - Carta Apostólica Salvifici Doloris, nº 27). Na Revelação que a Mãe de Deus faz para São Domingos, Ela mesma explicita a união definitiva d’Ela com o Cristo, logo, com a Santíssima e Beatíssima Trindade, nas Pessoas Admiráveis do Pai, Filho, Espírito Santo; "Meu filho Domingos, aprenda isto: o meio empregado pela Santíssima Trindade para reformar o mundo foi a Saudação Angélica. Portanto, se quiser converter os corações empedernidos, pregue-a segundo o modo que vou ensinar-lhe". Nasce a contemplação do Santo Rosário, para aperfeiçoar a contemplação do Santo Terço fruto dos séculos apostólicos. Suplica à Mãe que o Filho atende.
Jesus Cristo, o mesmo Ontem, Hoje e Sempre
O Senhor Rei do universo é “o mesmo ontem, hoje e sempre” (Heb 13, 8). Pode Cristo mudar? Se Cristo modificar sua Natureza Divina e Humana negará a Si mesmo e não será Deus. Deus não nega a Si mesmo, Deus permanece imutável. Tendo Cristo sido obediente à Sua Mãe em vida, sendo Ele totalmente Deus e totalmente Homem, Ele que após Sua Morte e Ressurreição continuou sendo totalmente Deus e totalmente Homem, portanto, imutável, continuará sendo obediente da mesma forma e pela mesma única Pessoa Divina que É, em duas naturezas, a humana e a divina. Cristo é o mesmo ontem, é o mesmo hoje, é o mesmo sempre. Negará a Segunda Pessoa Admirável da Santíssima Trindade a Si mesmo? Assim como em Caná havia um só Cristo imutável, por toda a eternidade haverá um só Cristo como Ele É antes da Criação, como Ele É na Encarnação e como Ele É na Glória Eterna. Maria é o único Ser capaz de mudar “a hora de Deus”; em Jo 2, 1 – 11, Ela confirma a fé dos Apóstolos em Cristo, por pedido d’Ela e não do colégio dos seguidores de Cristo cuja Cabeça seria Pedro. Mais adiante, vemos o anúncio da confirmação na Revelação Bíblica do culto devido a Maria: "Bem-aventurada as entranhas que te trouxeram e o seio que te amamentou" (Lc 11, 27).
Extremamente significativa a narrativa do Apóstolo João, principalmente porque ele no quarto Evangelho narra somente dois momentos da aparição de Maria: uma vez em Caná e outra somente no Calvário, e não por omissão mas por iluminação, que temos em São João um motivo proposital do Espírito Santo para somente duas aparições: para mostrar a evidência de que Maria Santíssima estava presente para participar da Redenção que Cristo já operava no mundo. “Entre os dois acontecimentos, Caná e o Calvário, há várias analogias. Situam-se um no começo e o outro no fim da vida pública de Cristo, como para indicar que toda a obra de Jesus está acompanhada pela presença de Maria Santíssima. O seu título de Mãe adquire ressonância especialíssima: Maria atua como verdadeira Mãe de Jesus nesses dois momentos em que o Senhor manifesta a Sua divindade. Ao mesmo tempo, ambos os episódios assinalam a especial solicitude de Maria Santíssima pelos homens: num caso intercede quando ainda não chegou a hora (Caná); no outro oferece ao Pai a morte redentora de seu Filho (Calvário) e aceita a missão que Jesus lhe confere de ser Mãe de todos os crentes, representados no Calvário pelo discípulo amado” (Bíblia de Navarra, Santos Evangelhos, p. 1145).
A Santíssima Virgem não tem poder nenhum por Si mesma, não é Ela maior que Aquele Cristo que Ela gerou em Seu ventre. O privilégio de ser Rainha dos Apóstolos e da Igreja que adorna Maria não é fruto d’Ela mesma, mas fruto do Cristo, o Deus vivo que Ela participou da divindade e gerou na humanidade; acima dos Santos e dos Anjos, por ser Mãe do Filho Eterno de Deus Pai pela operação do Espírito Santo. O que Ela apresenta diante da Santíssima Trindade não é um ato de soberania de Si mesma ou um poder divino que Ela não possui, mas o privilégio de suplicar por todas as potências da plenitude da graça tudo quanto os filhos da Igreja, logo, filhos de Maria, necessitam na jornada terrena para encontrar Cristo pregado na Cruz. Por ser Ela tal onipotência invocamos na Saudação Angélica da Ave-Maria as palavras: “Rogai por nós os pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Dirija à Mãe o pedido de socorro para que Ela suplique por nós as nossas necessidades, porque Ela tem a plenitude da graça e chega ao Sacratíssimo Coração do Filho através de Seu Imaculadíssimo Coração. Dirigir súplicas e brados para a Onipotência Suplicante, para que possamos também ser suplicantes diante do Coração Infinito e Chagadíssimo de Cristo. Eis a onipotência da Castíssima Virgem: - Maria consegue de Deus tudo que quer, a Ela nada foi negado pois Ela mesma tudo deu para Deus e para Igreja. Ela em Seu Gloriossísmo Império de Advogada dos católicos apresenta nossas causas diante do Trono do Divino Pai Eterno, e especialmente para que após a peregrinação terrestre possamos contemplar o rosto Diviníssimo de Cristo: “A Vós bradamos degredados filhos de Eva, a Vós suspiramos, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas. Eia pois Advogada nossa, esses Vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois desse desterro mostrai-nos Jesus bendito fruto do Vosso Ventre”.
Na tríplice invocação de Clementíssima, Piedosíssima, Dulcíssima sempre Castíssima Virgem, que apresenta aos cristãos a antífona da “Salve Rainha” encontramos a razão de ser da Súplica Onipotente. As três saudações foram inseridas ao fim da oração pelo Santo Doutor da Igreja, São Bernardo de Claraval. Nas Vésperas Natalinas do Ano da Graça de 1146, São Bernardo foi nomeado legado do Papa para a Alemanha, o povo sedento e devotíssimo de Maria Santíssima esperava ansioso a chegada de Padre Bernardo – O Santo de Claraval – na cidade de Spire. Bispos, padres, o povo de Deus se reuniu nas portas da cidade para receber o enviado do Papa. Quando São Bernardo se encontra com a multidão, ele é conduzido pela cidade com excelsa alegria, os sinos dobram nas igrejas, cantos sagrados são entoados, pelas ruas louvam e cantam glórias a Deus por ter dado ao mundo a Mãe de Cristo. Entrando na cidade, conduzido até o Imperador e príncipes Germânicos, foi São Bernardo recebido com as honras devidas ao legado papal. Em sua homenagem foi entoado seu canto preferido, a “Salve Rainha”. Conduzido até o recinto sagrado da igreja local, extremamente tomado de amor zeloso por Maria, ao fim do canto que terminava com “... Et Jesum benedíctum fructun Ventris tui, nobis, post hoc exsílium, osténde” - “... e depois deste desterro nos mostrai-nos Jesus, Bendito fruto do Vosso Ventre”; São Bernardo se prostou três vezes ao chão, e em cada vez que se humilhou amorosamente por Maria, disse: “O Clemens, O Pia, O Dulcis Virgo Maria” – “Oh Clemente, Oh Piedosa, Oh Doce Virgem Maria”.
Com magistral amor somos patroneados por Maria nos Céus, como Advogada Clemente, Pia e Doce, Ela apresenta diante do Pai não somente o que Lhe pedimos, mas tudo quanto é bom para a humanidade, e nada Lhe é negado. Maria segue por todo o sempre os rastros de Sangue de Cristo até o Calvário, porque n’Ela se deu a plenitude e a perfeição de quem abraçou na totalidade a Cruz de Cristo e entende, em perfeita harmonia com o Coração Sacratíssimo de Cristo, as necessidades da Igreja Peregrina.
“Maria, a Mãe santa do nosso Rei, a Rainha do nosso coração, cuida de nós como só Ela o sabe fazer. Mãe compassiva, trono da graça: nós te pedimos que saibamos compor na nossa vida e na vida dos que nos rodeiam, verso a verso, o poema singelo da caridade, quasi flumen pacis, como um rio de paz. Pois tu és um mar de inesgotável misericórdia: Os rios vão dar todos ao mar, e o mar não transborda” (São Josemaria Escrivá - É Cristo que passa, ponto 187).
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